15.11.16

Telhado seco

Revejo os telhados escorregadios
onde tive império.
Não tenho ninguém à ilharga,
detenho-me nas fronteiras do tempo.
A apreciar o tempo
a destoar da luz intensa que desce da lua.

Fecho os olhos.
Do corpo sinto uma centelha febril
correndo veias fora.
Ressinto as pálpebras tingidas
no suor antigo que coloriu as lágrimas,
as suadas lágrimas evaporadas
que coroaram os pesares em talhadas.
Nos telhados de antanho
onde já não há rumores transidos
onde já não chega a chuva timorata
onde os pés assentam como esteios fundos.

Nos telhados polidos
os olhos regressam das pálpebras madraças
em volteios sibilinos
aquartelam sonos perdidos em marés noturnas
enquanto nos antípodas ninguém quer um sono.
Não hei de ser tutor dos telhados dantes meus:
os contratempos soados nas pautas rasgadas
assobiam ao ouvido
não deixam a não ser que os pés sejam esteios
– fundos.
No mais fundo de tudo,
tanto que mãos nenhumas conseguem escavar,
espreitam telhados invertidos
gotas de chuva guardadas no bolso
um pastor sem gado que dorme sem reparo
o meu não-sono pelo tempo fora.

Dantes
quando os telhados eram império sobranceiro
perguntava às divindades de atalaia:

que é feito do meu fado?
Que é feito
se não vos tenho, divindades,
por tangíveis?

O corpo repousa nas margens do lago sereno
desarmadilha-se
pacienta-se.
À lembrança
vem a vertigem dos telhados alcantilados
o despautério por onde me esbanjava
à espera que um lago acobreado
viesse em memória com a lua ímpar.

Dos telhados
promontórios adestrados com o ouro das mãos.
Respiro agora
as ondas gastas que colhem o horizonte,
sem cautelas imprecisas
sem o adorno da lucidez imprestável.
Só os telhados e eu,
perguntando
às férteis fautoras das coisas em redor
o que é feito das divindades
se delas não houve saber.

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