7.11.16

Radiografia

Deixo o peito descarnado
à luz aformoseada dos moinhos.
Num ápice
entre embrulhos rejeitados no restolho do natal
comprimo os olhos cansados contra as pálpebras
e retenho as lágrimas.
As lágrimas,
contudo,
marejam emoções desatadas,
os apóstolos entronizados na lenha seca
rosnando contra sua mofina.
Deixo o peito descarnado
contra vitais, impensáveis entidades alvares
que empunham bandeiras sem cores
pedras vulcânicas adormecidas
um cálice de vinho podre,
já sem serventia.
Pela alvorada
penso ser um pássaro que voluteia,
errante,
entre os ventos tremeluzentes
e as algas atiradas pela maré enxurrada.
Penso
que não devia pensar
nas alturas em que o pensamento 
se vira contra mim.
De que me queixo,
a não ser de um pensamento voraz
um pensamento foragido
um pensamento prolixo
um pensamento que se consome por dentro?
Os degraus da enseada
apanham as cores sortilégio do entardecer.
Fico sentado nos degraus
as folhas outonais batendo no rosto
e as mãos frias pedem refúgio,
enquanto as nuvens relapsas ciciam
e os automóveis invadem a rua.
Deito o peito
descarnado até ao osso
e fico à espera da noite loquaz.
Para saber
se são harpas que entoam músicas
sem hidras por perto
ou se um cais escondido sussurra ao ouvido
sobre o lugar onde fundear os ossos cansados.
A pele macia,
talvez,
a prova que o peito voltou a ser um só
inteiro e sem compunção.
O peito descarnado é de outrora
refeito por musa que me traz pela mão
em doces acordes de harpas sem fingimento
em estrofes que trazem a alvorada
e dissolvem os lugares pretéritos,
os lugares baços e sem espécie.
Uma musa
em peito abrigada
devolveu a carne ao peito emendado.

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