28.11.16

Não, dantes

Dantes
quando as mãos tenras
se alisavam no poço negro
tudo tinha a espessa candura
dos imprudentes.
Aprendia
ao remar no sentido dos desacertos
sem supor que as coisas se pensavam.

Dantes
quando os fumos se vestiam de cores
e as árvores pareciam não ter outono
a pele imberbe era destravão da inocência.
Imaginava amanhãs sem mácula
amanhãs que começassem por tardes
sem enxovais nem baixelas
sem o tirocínio do erro
sem as nuvens embaciando os palcos.
Amanhas despidos por dentro
como se desse tempo por acontecer
guardasse um penhor sentido.

Dantes
guardava a certeza
de que um agora seria dissidência.
Ocupava os lençóis
com sonhos de que teria sonhos
com os dantes de louvor.

Medro num agora complacente
onde as paragens do tempo
retorcem as vírgulas deixadas em legado.
Agora
tenho as mãos quentes
o vinho excelso
arroteio teses respeitáveis
admiro as cortinas onde se entretecem
os entardeceres que insinuam a demora.

Agora
certifico que desimportam os dantes
assim desenhados
assim desdenhados.
Agora
devolvi os dantes à arqueologia da indiferença.
Julgo que é prova de vida
no entardecer que se agiganta 
na garganta do tempo.

Ainda estou por saber
se me empenho nos agoras que descem às mãos
ou se apenas me inclino sobre o dorso deitado
só para não ter de ver o mar que aí vem.
Só para desaproveitar
os dantes que pudessem ser lições.

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