21.3.17

O difícil sexo fácil

(Variações em torno de uma fotografia do Porto Eros 2017)

A fêmea exposta
sem pudor
deitando ao olhar outro
entranhas sem peias
contorcionista
(disparando febres másculas)
lasciva
provocadora
perdendo a roupa
até ganhar a alma
a alma despudorada
ou apenas a alma sem franquia
na generosidade maior
da entrega no palco do desejo
vociferado pela turba
patrocinado pela turba
em pré-êxtase.
A fêmea que dizem fácil
para outros
portadora da mais difícil função:
joga
o jogo inato
da condição dos humanos
da condição dos animais
sem distinção.
Do sexo prometido
do sexo sem fim
do sexo mestre
da luxuria que reduz o resto a nada
do sexo de onde tudo provém.
Dádiva inteira
consumida pelos olhares à espera
da turba que a devora
o olhar afiado
sede nas línguas destravadas
no impossível refrear do entumecimento
do sexo larvar
sexo a vomitar pelos olhos
ou através dos olhos o sexo atirado ao corpo
que é pouco para olhos tantos
como de animais caçadores na selva
de atalaia à indefesa presa
todavia
caçadora silenciosa
num paradoxo cautelar.
O olhar atento
as mãos trémulas
impacientes
sedentas de corpo
um ou vários
na concavidade que se entrelaça
no dançar lúbrico
que incendeia fantasias sinalizadas
no olhar fundo sem fundo
como se no olhar coletivo
uma centena de sexos dele saísse
em estupro consentido.
A coreografia do desejo:
e quem não tem desejo
quem não quer o sexo forte
sexo destravado
sexo
na pessoa de uma pessoa outra
que se não tem
e depois se tem na ponta afiada do olhar
do olhar que bebe o sexo oferecido
na régua impassível
onde as regras esquecem tempo
onde o redil celebra rivalidades
e a fêmea causadora
nada no tudo que oferece?
Os varonis
que parecem tresloucados
macerando na ardósia por diante
ousam o palco
que nem seja à frente dos demais
na orgia indefetível
que manda no desejo desarvorado.
Acusam a insaciável fonte
de onde fruem imperadores
(ou em tal estado se inflacionam).
Há em todos aqueles braços estendidos
suplicando por um toque no corpo exposto
a embriaguez não frívola,
ou como dirão os padecentes do pudor:
o pecado sublimado
no pior rosto da animalidade humana
(ou da humanidade animalesca,
ou na desumanidade bestializada
– à escolha).
Só se não sabe
quantos sacerdotes que assim protestam
se resguardam à degenerescência
no silêncio do quarto solitário
engolindo o seu vómito,
ato contínuo,
no embaraço da falsa pudicícia.
E a turba
em coletiva alucinação
prossegue a valsa
em crescendo
removendo os véus aos freios sobrantes
por dentro do ergástulo da imaginação
a compasso com a função
em cima do palco
na perpétua sacralização da mulher
na perpétua mulher tornada objeto.
Até que o sexo
de tanto o ser
ou de tanto emasculado em derivas onanistas
ou o sexo de abusivo reporte
deixa o seu préstimo perdido
em brumas gastas.
E de um promontório esquecido
nas cinzas depostas nas costas da função
cuidados zelados em papel timbrado
contra a mastodôntica, perene linhagem
dos falsamente puros
e dos de degenerescência acusados,
deixa-se de saber a pertença.

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