23.2.18

Heurístico

O xisto sem dono
candeia em que lanço âncora
reinado intemporal
caudalosa frágua no apetite ímpar
de onde nascem árvores sem semente
árvores com a raiz à mostra
bebendo nas veias do xisto lúgubre.
Não são as cidades
esteio que espera
nem o cimento amontoado pede água;
pode ser lúgubre o xisto
e ainda assim
mata a fome à fome avulsa
nas suas veias suculentas
e todavia escondidas.
O sol consome-se no tubular nevoeiro
impaciente
para se servir da paisagem
o manjar esperado
condimento ostensivo na garrafa embaciada.
Sem o tirocínio dos homens da terra
que o xisto generoso abre suas pétalas
e as mãos famintas trespassam a aspereza
tornando-se macios
(mãos e xisto)
na quimera dos paradoxos.
Ensina-se aos ascetas
os pródigos novelos em cascata
que ascendem desde o vale até ao entardecer.
Um milhafre longínquo
dança os ossos cansados contra a falésia;
a presa não chegou a ser presa
e o milhafre adiou a fome,
à falta de olhar cuidadoso
sobre a paisagem sem algemas.
Os camponeses
desatentos por cuidarem da lavoura
esquecem os inviáveis acessos de fúria;
não reza a história
de homens presas de milhafres.
Nunca fiando:
antes de os tempos
romperem o véu da sua véspera
ninguém adivinhava o xisto
manancial de árvores e de frutos.
Os livros
estão cheios de inesperado.
Agora se percebe
que haja seguros de vida.

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