26.2.18

Opostos

Sem a noite
vejo os gatos vadios
uma trova no mosto das uvas colhidas
contra as trevas militantes.
Jogo os cordões desatados
na infinita parede ao acaso:
tiro do rosto rugas sem nome
e sento-me no convés frio
– talvez à espera da lua caiada
ou apenas da alvorada. 

Não trago as armas dos outros;
não canto nem danço
nem me entrego à teatral função
(mesmo sabendo ser o fingimento
a fingir-se a si mesmo):
contemplo os frutos maduros
quase pendidos em véspera de senescência,
dir-se-ia
do olhar propositadamente demorado
à espera da decadência dos frutos. 

Os mundanos pesares jogam-se no vazio
onde os espera o acaso. 
Não aprendem com o ocaso das coisas
e empenham-se na insentida refrega
no labirinto medular
o inexistente êxtase sem sufrágio. 

Fujo da noite quando quero o dia
e encontro a noite quando cansa o dia. 

Disto é feita minha carne
no sangue constante
conciliábulo dos opostos.

Sem comentários: