Revejo
o bolso esfarrapado
de onde caiu a vergonha.
Revejo
a farsa inteira
o mar sem cais por perto
os sonhos adulterados
as palavras erradas
o tempo sem modo
sem medida.
Revejo
como se estivesse no cinema.
As ondas deitando-se
sobre meu rosto.
Na arquitetura sem regra
destronando as palavras
num desmodo a eito
no recanto lúgubre
onde foi temporada.
Luto por nada rever
nesta contemplação impróvida
não convocada
refém de uma sonsa recusa
em emparelhar o pretérito.
Revejo
o que não quero
antes de à memória
se soerguerem as contundente lembranças.
Revejo
o que a indomável vontade patrocina
como se as flores tivessem perdido cor
e no mar já não houvesse marés
e as palavras ficassem todas vazias
pungentemente sem sentido.
Perco-me
num arquipélago
num arquipélago de um homem só
num arquipélago de que não há mapa
e não quero ser o tutor da cartografia
antes quero
que a matéria enquistada na poeira
seja desalinhada da memória.
Vejo ao longe
a linha do comboio
e fico à espera
horas e horas e horas
que se fazem tempo adulto
e não passa nenhum comboio.
Talvez o sono
(adulterado)
precise de música
e de exorcizar mitos que nunca foram
para juntar os despojos nas mãos
fazendo semente a um lugar diferente.
As ondas deitam-se
sobre meu rosto
– e eu continuamente seco.
Sem saber da justiça
do segredo dos gatos
de muitos idiomas
dos preparos da alma
do degredo dos inúteis
e das ciências muitas que não foram
apeadeiro.
Não tem importância.
Às perguntas
encomendo o ritual da insubmissão.
Prefiro assim:
a tempestade que desembainha o pensamento
no cadafalso das memórias
(se for preciso).
Até que as ondas se deitem
sobre meu rosto
e eu aprenda a ficar molhado.