10.9.16

Meia-noite

Sombras diurnas fervem no chão
três horas antes do ocaso.
Sombras a destempo
ou apenas o relento a tomar conta do olhar
tirando água de dentro de um poço frondoso.
Atira-se o corpo contra as ondas
e de dentro do mar vêm polvos agarrados
seixos perdidos na maré
uma garrafa romba enredada em algas.
O âmbar do céu conta histórias perdidas
enredos impensáveis
ecoando no travejamento da casa desocupada.
Por favor
(reza a súplica)
por favor
desembrulha o céu cheio de veias podres
deixa-o medrar
nos abjetos estorvos encaminhados
deixa
os abjetos estorvos
fadados ao descaminho.
Ou podem as viúvas tristonhas sair à rua
com gatos adormecidos a tiracolo
preces repetidas, monocórdicas
vozes condoídas pela desgraça imorredoira
extasiar diademas demoníacos pressagiados.
Não quero ser notário dos inditosos oráculos
ou coveiro das representações da desgraça.
Só quero um banco de jardim
o jardim sem gente
a noite estremunhada
vinho doce
beijos sem dor
árvores como pano de fundo
ao fundo do meu fundo sem fundo.
Que o sangue derramado não seja o meu.
No miradouro escondido da noite
enquanto as candeias cantam seus reparos
tiro as algemas do olhar
e sinto um tremor de terra por dentro
ondas indomáveis trepando o cais
dentes mordazes ferrados na carne
destemidos versos na orla do dia fervente.
Para dar de mim
o todo em que me decomponho
sem vírgulas nem pesares
inteiro
corpóreo
sagaz
o peito farto à espera do que houver
ancoradouro.

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