13.12.16

#108

As pontes urdidas
nas margens desatadas
serão precipícios do outro lado?

Invasão

Espasmos fermentam
nos nós do cérebro
um carregamento de cultura desliza na tela
à medida que se imagina o poema em alemão.
As cruzes do vento vadio
invadem as esquinas ardilosas das ruas
estão de atalaia aos mastins
que se passeiam, disfarçados.
Colhem as sementes da noite
mendigos curvados ao frio epistolar
sem darem conta que há contas a acertar
no diadema guardado na pedra tumular.
Os ascetas cínicos fingem que cantam
fingem que sentem os fingimentos venais
sem olharem aos cordéis de antanho
sem se importarem com as marés levantadas.
Os rochedos proeminentes em forma imperatriz
levantam-se do chão turgido pelo nevoeiro
gritando em forma de vento
consumições evaporadas nas nuvens torrenciais.
Um murmúrio de algures
atravessado nas ruas claras
cristaliza os medos rombos
das furiosas damas recusadas.
E, depois do lauto manjar,
pitonisas e escandalosos servidores do reino
oferecem seus préstimos malsãos
à espera que a luz do dia não seja timorata.
Os maus modos servem-se em danças destiladas
com maus costumes invasores das boas almas
sem sobrar um vestígio de decência
nos alvores de nova decência desensinada.
Os lobos e as outras más bestas
levantam âncora e suplicam poupança
destes novos preparos que os afligem
no solene anúncio de um lugar reinventado.
Desaprovados os ardis em grosso compêndio
à tona apenas os genuínos sentires
redesenhando as bissetrizes de tudo
em identidade com a nova maré que se pôs.

12.12.16

Círculos concêntricos

Caminhava em círculos. 
Com o jornal 
como anteparo do braço direito
(não fossem escapulir as notícias do dia). 
Uma só nuvem tingindo o céu
e o sol desembaciado
enquanto a paisagem se fazia,
paisagem. 

Os círculos andados
não seriam andadura recomendada,
não fossem enquistados pelos passos meus. 

Num momento irrepreensível
(parecia uma epifania,
mas não podia
atenta a minha descrença)
uma centelha caiu dos céus
aterrando à frente dos meus sapatos. 
Abriu-se uma fenda medonha,
funda
exalando um cheiro pestífero. 
Certamente,
convite
para desimpedir os círculos demandados
na antecâmara de uma possível mensagem
subliminarmente deificada
(não fosse a impossibilidade
vertida pelas descrenças). 

Percebi tudo. 
Não podia continuar a caminhar em círculos. 
As ruminações
pertencem a bestas de outro jaez. 

#107

Too many threes.
Too many trees. 
Treating threads
on trivial thrones. 

10.12.16

Fácil

Não vai o verso fácil
no dorso da alma.
Nem que nuvens embaciem o céu
não esmaecem as cores
que são o corpo da vida
um copo cheio de águas cheias.
O verso fácil
devolve a intensidade
em volteios que hasteiam púlpitos
à medida que as cores emergem
veementes.
E a vida fica como o verso,
fácil.

8.12.16

Contrarrelógio

Corria a aurora para fora do tempo
e as águas lúcidas esbracejavam
entre as margens alcantiladas
e os pêssegos ainda verdes
espreitando nas ramagens.
Corriam céleres pessoas
contra o muro da manhã
mostrando os olhos estremunhados
como quem sussurra a canseira perene.
Corrias desde a casa da partida
sem saberes onde era a meta
sem saberes a serventia da corrida.
Corriam de braço dado
contra a fúria dos elementos
em coreografias lídimas
em protesto contra obnóxios patriarcas.
Corria a espuma das leituras
das leituras ao acaso
concorrendo para os acasos
que esperavam lugar.
Corria de peito aberto
três passos a eito
a eira derrotada na pele da perseverança
contra a vergonha embainhada.
Corria em furiosa demanda
aos portos de abrigo
aos postigos decadentes
às fuças de beócios reincidentes
contra as brumas da memória
contra os esteios verticais e frágeis
contra os demenciais cantos sombrios
às mesas onde se apostavam contratempos.
Corria o entardecer sem dar conta
e dispensava os escândalos infatigáveis
o lodo por todos os lados
a verborreia insana dos gongóricos
os apedeutas com aspiração a eruditos.
Ficava com o entardecer
e retinha dentro das mãos
o sortilégio que vinha das suas margens.

7.12.16

#106

Tira à espada a mão
cinta desfeita de bélicos propósitos
e aconchega-te na pueril pele
que da criança sobeja. 

Alfândega

Dá-me uma medida de desrazão
um açoite nos predicamentos da alma
sal duro para temperar a água
uma venda para os olhos
(no dealbar da encruzilhada)
ruins costuras para tudo descoser
o crepuscular desalinhavo
um prolegómeno armilar
(dentro de moldura estilhaçada)
um gesto açambarcado na lua baça
os olhos marejados pela melancolia vazia
duas esteiras pregadas ao chão molhado. 

E dá-me
depois 
a iridescência sonhada em volteios noturnos
o suave declive dos teus cabelos
o sortilégio da tua voz macia
o peito onde me deito
as estrelas desembainhadas das tuas mãos
o calor do teu corpo
o refúgio dos teus braços como castelos
a desenfreada correria pela música
os palcos dantes sonhados e agora tangíveis
o lustro da noite armada nos nossos braços. 

Dá-me o que és
um mar imenso e sem fundo
páginas arrancadas a ferros vadios
o sol campestre e sem igual
enquanto de mim
recolhes os parcos haveres 
que te forem serventia. 

6.12.16

Medos supérfluos

Metido no torniquete das ideias
sem espaço para dar aroma à respiração
prometeu jornadas diferentes
uma desagonia dos dias pungentes
se uma divindade sobre ele deitasse o olhar. 

A acontecer
só acontecimentos exemplares
seriam de esperar. 

Numa reviravolta do pensamento rebelde
(maldito sejas,
impenitente capataz – protestou)
sentiu uma crisálida sobre o ombro. 
Sussurrava o leitoso rio das incógnitas
uma equação interminável
e sem resultado aprazado. 

Tentou decifrar a raiz quadrada do enigma,
não fosse em vão o cuidado da crisálida. 
Podia a divindade atenta
desaprovar a má conduta
o frio olhar desligado da bondade
os atos sem arrependimento
os rancores que desassossegavam
o pretérito desorgulho. 
Podia a divindade,
metendo calibre no anátema do juízo,
julgar que o atual elogio
não compensava a turbulência de outrora. 
E, como punição,
decretasse
oito tábuas rasas de castigos dolorosos
sem garantia de serem a paga toda
pelos desmandos. 

Virou as ideias do avesso,
não fosse uma divindade vingativa
tirar as medidas do seu desassossego. 

Tão depressa
não partiriam dele preces. 

(A apoplexia não deixou ouvir
o sussurro da crisálida 
até ao fim. 
Terá dito que as divindades
são um espelho baço onde medram 
ilusões,
apenas ilusões. 
Perdeu uma oportunidade
para sepultar os sobressaltos sobrantes.)

#105

Declaração. 
Declara ação. 
De clara ação. 

5.12.16

#104

Tiro de pólvora seca
(ou cão que ladra e não morde)
bazófia de pavio curto
– e chega de lugares-comuns.

Defenestração

Intuía o sindicar dos passos atravessados
sem demanda minha
ou sequer postulados simétricos,
o manto da legitimidade.
Devia pétalas infundadas ao devir
(talvez)
como se o anoitecer viesse prostrado
entre limbos nas mãos de demónios.
Havia pontes abertas
janelas sem vidros
um céu sem nuvens
o mar surpreendentemente estacionário;
e, todavia,
na representação dos coiotes diligentes
formosas molduras dos valores
(sem que ninguém perguntasse pelos valores)
rumavam às fotografias órfãs.
De nada valeria a sindicância.
Não havia nada para sindicar.
(Por muitas as desencomendas
destinadas aos vulcões fumegantes
onde consumições variadas teriam
defenestração.)

4.12.16

#103

Fecho os olhos:
anéis do avesso em dedos frágeis
e o musgo deitado no cais antigo.

Às escondidas

Às escondidas
na sombra da lua
à escolha da maré. 
No silêncio
avesso do dia
no sopesar das palavras. 
Na penumbra
tirando à sorte
os acasos escolhidos.
Na incerteza
olhos raiados de mar
à bravura de uma decisão.
Às escuras
sem centelha por perto
adivinhando as paredes claras.

3.12.16

#102

Na haste da noite sozinha
um braço atrevido
dança uma rua sem gente. 

2.12.16

Dezembro

Haja dezembro
e todos os provérbios inventados
enquanto a chuva molha as ruas
e pessoas pesarosas
gemem pelo estio distante.

Haja dezembro
na sua baça luz
no rogo das crianças pelo natal demorado
nas castanhas que boicotam o frio
nos frutos secos
(um estalido a preceito na boca sedenta).

Haja dezembro
exílios dentro de cobertores
medo das ruas desalinhadas pela tempestade
pessoas sem réditos que rapam os fundilhos
para estarem à altura do Natal.

Haja dezembro
e a espera por um janeiro
mostruário de um sol generoso.

30.11.16

#101

Tudo o que eu sei
(o universo do meu saber)
cabe num imenso lago vazio. 

29.11.16

Nortada

Persiga-me o vento
se não souber dizer as palavras
que molham a boca nas casas doces.

Procure-me o vento
se não deixar vir às mãos
o soldo alto fermentado nos castelos.

Assalte-me o vento
se não arranjar método ciente
entre as flores deixadas na jarra partida.

Beije-me o vento
se não encontrar os sedimentos álgidos
que temperam o fogo da terra.

Agrida-me o vento
se insistir na loucura e perder de mão
os véus esbranquiçados que tudo clareiam.

Elogie-me o vento
se souber ser algoz da destemperança
trazendo da maré os seixos sortilégio.

Componha-me o vento
poemas malditos em incapaz distopia
desfazendo a demência inteira.

Desarranje-me o vento
ideias que adulteram a simplicidade
se não for tutor da alvorada desembaciada.

Apanhe-me o vento
entre suas mãos protetoras
e leve-me por entre as nuvens prometidas.

#100

Estulta desarte
a de matar tempo
se na dobra do tempo
o tempo emagrece num ocaso. 

28.11.16

#99

Era curador das flores do jardim
cuidava-as como se suas filhas fossem.
Descobriu-se (depois) a falácia do jardineiro:
o dom da paternidade dele se ausentara.

Não, dantes

Dantes
quando as mãos tenras
se alisavam no poço negro
tudo tinha a espessa candura
dos imprudentes.
Aprendia
ao remar no sentido dos desacertos
sem supor que as coisas se pensavam.

Dantes
quando os fumos se vestiam de cores
e as árvores pareciam não ter outono
a pele imberbe era destravão da inocência.
Imaginava amanhãs sem mácula
amanhãs que começassem por tardes
sem enxovais nem baixelas
sem o tirocínio do erro
sem as nuvens embaciando os palcos.
Amanhas despidos por dentro
como se desse tempo por acontecer
guardasse um penhor sentido.

Dantes
guardava a certeza
de que um agora seria dissidência.
Ocupava os lençóis
com sonhos de que teria sonhos
com os dantes de louvor.

Medro num agora complacente
onde as paragens do tempo
retorcem as vírgulas deixadas em legado.
Agora
tenho as mãos quentes
o vinho excelso
arroteio teses respeitáveis
admiro as cortinas onde se entretecem
os entardeceres que insinuam a demora.

Agora
certifico que desimportam os dantes
assim desenhados
assim desdenhados.
Agora
devolvi os dantes à arqueologia da indiferença.
Julgo que é prova de vida
no entardecer que se agiganta 
na garganta do tempo.

Ainda estou por saber
se me empenho nos agoras que descem às mãos
ou se apenas me inclino sobre o dorso deitado
só para não ter de ver o mar que aí vem.
Só para desaproveitar
os dantes que pudessem ser lições.

27.11.16

Fornalha

A voz vestida de fogo
sussurra
indagando o desejo sem peias.
A voz vertida no fogo
proclama as estrofes incendiadas
cantando as músicas devolvidas
no estirador das almas.
A voz mestiçada
atira-se ao vento agreste
consegue-o domar.
A voz desassoreada
conflui no corpo
toma conta do sangue fervente
descobrindo a chave do horizonte.

25.11.16

#98

O logro
não é a pirâmide vazia
e as suas promessas de folia;
o logro são os depositantes
de tamanha fé estulta. 

Sacrilégio

O sol tardio endossa aos campos
as mangas arregaçadas do outono,
à espera das estrelas cadentes
de um céu cheio
e da chuva benigna. 
O camponês não tem conta das horas
nem sabe estimar o tamanho da sementeira
enquanto as flores medram na tibieza. 
Pedem água ao outono,
os camponeses,
para não se empenharem
nos vícios do estio prometido. 
Alguns medram na ociosidade de vícios outros,
inconfessáveis
sob a vergasta dos costumes bons. 
Tiram réditos da precaução das colheitas,
gastam nas licenciosidades
protestadas por damas de bom nome. 
O sacerdote esquece-se da moral na homilia
e devota-se ao olvido ao sair do confessionário. 
Dizem
as damas de bom nome
que o lugar está condenado à perdição. 
Desconfiam da (dizem: desleal) concorrência
e tecem-se em prantos
pela omissão dos prazeres desviados
(tirando algumas disfarçando contentamento
pela ausência dos consortes 
no império dos deveres inerentes à condição). 
Quando derem um salto no tempo
hão de tirar o véu à má colheita. 
A água pedida ao outono
retesada nos quartos sórdidos das peritas
e dos réditos transviados
que ditaram a falência da empreitada. 
Foi pena. 
O outono fez-se a preceito. 
As águas das chuvas
tiveram a mesma perdição. 

24.11.16

(Des)conhecimento

Não quero saber
das coisas que beijam o véu da certeza
das coisas que se não importunam
com interrogações incómodas
das coisas alindadas no caule da luz clara
das coisas fermentadas
em ciência por falta de comparência.

Não quero saber
das coisas que de si se sabem
na soberba enjoativa dos categóricos
na velada incandescência da razão imperativa
descontinuando a desrazão heurística.

Não quero saber
das coisas perfeitas e pútridas
das coisas belas e castradas
das coisas entronizadas sem chão firme.

Não quero transitar
no mapa seguro das coisas seguras
no mapa sem rugas na negação da idade.

Não quero saber
de coisas que não querem saber
das coisas que sobre elas
arqueiam o mar de indecisões.  

#97

Prometiam o céu na terra.
Não se convenceu.
Ninguém ainda prometera
a terra no céu.

23.11.16

Alfabeto

A gravata apertada
abre a janela de um bojador velho
adiantando uns trocos para o futuro.
Bebem estorninhos cansados
boas águas vertidas da chuva
batendo as asas entorpecidas.
Chamam pela folhagem tardia
ciosos da chuva à espera
ciumentos de um inverno ausente.
Ditosos os bancos de jardim cansados
descendo na alma enfurecida
dádivas inesperadas.
Enquanto as paredes se consomem
esperando pelo lamento insaciável
entardecem as luzes coagidas pelos olhos.
Fermentam-se as avenidas corrompidas
fartas de palavras inoportunas
festejando os beijos oferecidos.
Gastam o zelo todo no umbral da noite
gota a gota
gabando proezas deitadas em braços alheios.
Horas sem sono
heras secas
homens exauridos sem fiador nem herdeiros.
Ilhas intempestivas na embocadura do rio
irrompem do nevoeiro poltrão
irradiam sorrisos escondidos nos contratempos.
Jogam-se dados ao acaso
jurando as profecias sem estatuto
junto com as lombadas frias de livros mudos.
Lembram-se os amantes dos relógios
lançando os lençóis desatados em vulcões
lentamente, pelas alvoradas despovoadas.
Marejados os olhos soturnos
mentindo às mentiras mordazes
meãs personagens que desaprova o palco quente.
Ninguém escolhe uma sepultura
nas dobras do tempo que se adia
navegando águas sedosas em caudais aplanados.
Oxalá sejam os senhores altivos
orquestradores de fatiotas ilustres
orvalho seco que refresca as folhas caducas.
Porque já não fazem sentido as perguntas
perdidas entre as sombras ausentes
pergaminhos em garrafas perdidas no mar.
Querem dar as mãos, num desafio aos perdedores,
quando as asas de um abutre se depõem no céu
quimera da solidão esventrada.
Rezam as viúvas contra os altares despedaçados
ratificando as preces vertidas nos salmos
rasurando as trevas dos descrentes.
Sozinhos estes, contra a sua incredulidade
soerguem os corpos em hedonismo reincidente
sorvendo a seiva toda do tempo farsante.
Tudo se compõe na pauta desalinhada
traduzindo as palavras inócuas
trazendo das trevas o escantilhão desejado.
Ulteriores movimentos da alma confirmam
ufanas almas em perdição
ultimando os lacres do púlpito inviável.
Vergado pelo ocaso das aves viajantes
validam-se as portas ruinosas da barbárie
viradas contra a aurora escura.
Xaile fino cobre os corpos exaustos
xadrez jogado contra os costumes alindados
xistoso leito onde se deitam as feridas almas.
Zelotes abraçados a metáforas
zurzem os desapoderados dos deuses
zangados com o despautério dos indigentes.

#96

Amanheço
antes que a manhã prove a luz
e desço a luz minha
sobre as sombras da manhã.

22.11.16

#95

De pé:
do chão não se apanhem
as folhas vetustas.