16.1.17

Dormente

Dou o ouro que há em mim
sem a água rasa das minas
com as lágrimas engolidas de fiada
com o pé largo do mundo sem rasuras.

Grito.
Grito surdamente
como se o grito deslaçasse o fio negro
e as botas aprumadas no caudal
se revezassem na orla estimada dos céus.
Mergulho a cabeça na água
como se isso fosse predicado
como se fosse segredo em danças sem sal
em provectas imagens de uma claridade rara.
Dou as mãos às algibeiras
pois parece que,
tementes,
precisam de se abrigar do frio madraço.

Não acabo sem perguntar
às lombadas alinhadas
desde o sofá solitário
se os arranjos do tempo explicam os acidentes
as cósmicas congeminações à margem de deuses
as árvores nuas no inverno sem luz
os rios aparatosos no coice da chuva imparável
a noite anestesiada
o rombo nas páginas enrugadas
a contrassenha dos segredos sem segredo
a tiragem contínua de uma ideia gasta
a romagem ao cemitério das rotinas
o fausto de caudilhos de si mesmos
o ar pesado nas imediações das fábricas.

Grito
outra vez
sem me ouvir.
Grito às ruas por onde arrasto o corpo
mesmo sem saber se as ruas se importam
se os deuses que guardam o tempo
se importam.

Se ao menos
não tivesse dado
o ouro que se guarda em mim
hoje seria a misericórdia da miséria.

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