31.7.17

Máquina de gelados

A engomar as esquinas dos dedos
não vá aparecer um abutre
e as estrelas fiquem sem avença.
Tirava à sorte
as ruas nunca desandadas
e os padres que ia ouvir:
no fim da função
soube sobrarem todos os da confraria,
sua serventia desestimada
– em vésperas de arcar
com o labéu de herege.
Num poço da morte extravagante
(ainda mais extravagante)
afiado do avesso
o artista às arrecuas
desafiado a entrar pelo buraco da agulha
e a sair de fininho.
O general andrajoso
ciente das guerras perdidas
melodramaticamente pedinchando sinecura
aos deputados ilustres,
estes em fingimento absoluto
fazendo de conta não saberem
a identidade do general.
No lado esquerdo do teatro
uma sindicalista andrógina ressonou
com o mesmo estrondear
da voz com que assustava o patronato;
os atores
em sentida fraternidade,
meteram intermitência na função
e aplaudiram
(de punho erguido),
agradecendo 
a criatividade do contributo sindical.
O grasnar do pato denotava aflição:
um homem aleatório sondou o lugar
e descobriu o pato enredado
na propaganda eleitoral
(que tombara
por efeito de uma higiénica tempestade).
A viúva
apareceu vestida de bailarina espanhola
e os metodistas da moral
assarapantados
vomitaram sentida
(mas covardemente silenciosa)
indignação.

Por sobre os palcos todos
gelado em catadupas
para notório arrefecimento
dos vetustos lacraus.

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