27.7.17

Ponte reatada

A ponte partida em dois
o barco temeroso não se aventura
os marinheiros na embocadura do rio
perguntam ao silêncio
que desastre combaliu a ponte.

Duas são as margens
sem ponte como união.
Sobra gente descuidada
nas duas margens,
incrédula
mascarando o desespero
olhando, lívida,
os escombros ladeira abaixo
os vestígios de pedra despojados no rio
na água contudo sossegada.

Um ancião avivou reminiscências:
quando faltavam oito décadas para hoje
e ele medrava,
ainda infante,
a hostilidade soerguia-se entre as duas margens
à míngua de ponte.
Recordou
o ancião com os olhos marejados
que a ponte foi a melhor oferenda dos deuses
e que homenagens foram à mercê do feito.

A noite caía
e a penumbra levou consigo
a devastação da ponte ruída.

Ninguém dormiu na noite depois:
não queriam pesadelos de arengas
nem revisitação dos casos bélicos;
assim como assim
eram gente com pátria comum
gente com parentela do outro lado
da margem.

No despontar da manhã
misturada com uma neblina teimosa
a ponte confirmava-se
destruída.

Os vizinhos não quiseram
dar a mão à resignação:
de uma assentada,
na diligência fervilhante
de quem recusava a contingência
ou a derrota diante do sobressalto,
arregaçaram as mangas.
Contra o conselho dos engenheiros
prometeram
em jura solene
que a ponte seria reunida
num lustro de semanas.

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